Filipe Makengo: “Ministério das Finanças fez pouco para manter o BCI vivo e forte”
O vice-presidente do Sindicato Nacional do Empregados Bancários de Angola (SNEBA) reitera a sua preocupação com o modelo de privatização do BCI.
A direcção do SNEBA foi recentemente reconduzida, mas para estabelecermos um período de avaliação po- demos recuar cinco anos para perceber o impacto do seu desempenho?
O responsável gostaria que houvesse mais adesão dos trabalhadores do sector ao movimento sindical e garante estar na luta pela construção de uma unidade de saúde para bancários, à semelhança do que existe noutros países.
O que representou esta exposição em termos de benefícios para os filiados?
Numa primeira fase, tivemos de estabelecer protocolos com sindicatos de outras geografias que possuem outra dinâmica em várias matérias que não dominávamos, sobretudo com o de Portugal, onde estreitámos a cooperação com três sindicatos, nomeadamente, o Sindicato Bancário do Sul e ilhas, com sede em Lisboa, do Centro, com sede em Coimbra, e do Norte, com sede na cidade do Porto. Este último tem estado ávido em ajudar-nos, com estágios, momentos de confraternização, debates e momentos de inter- acção entre os bancários, com o objectivo de congregar a classe. Houve alturas em que o bancário pensava só no seu banco, existiam bunkers, mas o sindicato trouxe uma nova filosofia: sensibilizámos e promovemos a união, que deve ser vistos não pelas denominações das instituições bancárias onde trabalham, seja públicas ou privadas, mas como uma classe única, que defende os mesmos ideais, que se deve identificar como bancária, sem qualquer discriminação. Esta divisa veio fortalecer a classe, sendo que, hoje, os funcionários bancários reconhecem o papel do sindicato e a força da marca.
Combatemos também todas as situações menos agradáveis por via da forte consciencialização, porque pertencemos a uma classe com códigos e regula- mentos internacionais. O trabalhador bancário deve estar munido destes instrumentos, desde os Basileias aos princípios orientadores, que devem ser uniformes para que as instituições que fazem análise à banca possam olhar para os bancos da mesma forma, sem discriminações. Temos feito também um forte trabalho ao nível da sensibilização, porque a matéria-prima do funcionário bancário é o dinheiro. Os clientes confiam aos bancos os seus depósitos e poupanças, como fiéis depositários, portanto, devemos respeitar e ser dignos dessa confiança como meio de trabalho, mas não para usufruto pessoal. Mas devemos entender, por mais conselhos que possamos dar, que existam casos pontuais de má conduta.
Com que regularidade ocorrem as formações e actividades do SNEBA?
Devemos reconhecer que ainda fazemos pouco e devemos fazer mais sensibilizações, congregar mais vezes os bancários e criar outros motivos para estarmos mais vezes juntos. Uma ou duas sessões de sensibilização anuais não bastam. O País é imenso, somos mais de 23 mil, dispersos pelas 18 províncias.
Como é que o Sindicato consegue alcançar os 23 mil bancários?
Nas comemorações ao dia do funcionário bancário, que esperamos que seja oficialmente proclamada para 14 de Agosto, promovemos acções em cada província e fizemos deslocar palestrantes a cada uma também.
A banca, em geral, até não é dos sectores que paga pior, mas há o problema das assimetrias entre instituições
Ao nível interno, dos bancos, de que forma o Sindicato acompanha as políticas e execução dos programas de formação?
Em regra geral, os bancos têm núcleos de formação, e há também as academias. Há bancos que apostam mais na formação, outros menos. Mas não somos a favor dessa forma de discriminação, com dispersão de esforço de uma classe para o sindicato, a proliferação de academias não é positiva para a classe. Gostaríamos de ver uma academia para todos os bancários, mas com os núcleos de cada banco inseridos em pequenas formações. Por isso é que, nos encontros de concertação com as administrações, temos vindo a aferir este tema. Também temos recebido queixas de trabalhadores que ficam à margem das formações. Mesmo com cinco anos de casa, nunca beneficiaram de uma acção de superação profissional…
Há províncias onde os bancos não criam condições para a superação dos seus colaboradores, como no Leste do País. Não há um único banco que tenha uma academia ou núcleo de formação no Cuando Cubango. Regra geral, as for- mações são sempre em Luanda, com os custos que isso acarreta. A chamada ‘política de for- mação on job não é, em muitos casos, rentável para todos os postos – por exemplo, para quem atende ao balcão. Mas fazemos um apelo para que se aproveitem os finais de semana para estas acções.
Quantos associados tem o SNEBA?
Devemos contar neste momento com oito mil, número que não satisfaz a direcção do SNEBA, porque gostaríamos de ter todo o bancário sindicalizado – porque todos juntos somos poucos. Tem havido alguma relutância por parte de algumas instituições, apesar emanar da Constituição da República de Angola, do mesmo modo que cada colaborador é livre de aderir, também não deve ser impedido. Neste aspecto, há bancos que estão à margem da lei.
Que bancos têm impedido os seus colaboradores de aderirem ao sindicato?
Os exemplos são poucos, mas tem havido muita relutância. Não vamos citar nomes, mas as denúncias são sobretudo num banco privado. Há trabalha- dores que só conseguem pagar as suas quotas por Multicaixa, mas na Lei 7/15, de 15 de Julho, no artigo 172 está bem explicito, no ponto 3, que, com declaração explicita do trabalhador, a entidade empregadora deve deduzir do seu salário o correspondente a 1% do salário-base do trabalhador. Com a nova Lei, pensamos rever os estatutos para que esse desconto passa a incidir sobre o salário líquido. Mas há bancos que dão calinada a isto. O que temos feito é sensibilizar as administrações para que se conformem às leis do País, que devem ser respeita- das. Mas há uma instituição em particular com quem nem sequer tivemos um único encontro, mesmo escrevendo a solicitá-lo, nem se dignou a responder à correspondência do sindicato.
Qual será a razão de talcomportamento?
Entendemos que seja a imponência da estrutura accionista, porque se vêem importantes ignoram os direitos cívicos dos colaboradores. Mas espera- mos que, com o tempo, esta situação mude.
Quais são as vantagens e benefícios para quem é sindicalizado?
O SNEBA proporciona aos filiados e seus dependentes ainda poucos benefícios directos e indirectos. Desde 10 de Março de 2017, rubricámos mais de 500 protocolos com empresas nacionais fornecedoras de bens e serviços, que possibilitam a obtenção de vantagens significativas aos nossos filiados, nomeadamente, descontos que podem atingir os 30% sobre o preço normalmente praticado. Os protocolos assinados abrangem estabelecimentos de ensino particular, hotéis, restaurantes, agências de viagem, salões de beleza, ginásios, clínicas no País e no exterior, ópticas, rent-a-car, resorts, boutiques, oficinas, entre muitos outros. Estes benefícios estão disponíveis mediante a apresentação do respectivo cartão de filiação no SNEBA e da documentação comprovativa dos seus dependentes. O sindicato forneceu às empresas aderentes a lista de todos os filiados e seus dependentes. Não são suficientes, porque precisamos de ter mais benefícios tangíveis. Mas também queremos fazer um apelo, temos um protocolo com uma escola de língua inglesa que não tem sido aproveitado, os bancários não aparecem, apesar da exigência do domínio da língua. Essa escola fez uma proposta no ano passado para a criação de um retiro de férias para os filhos dos bancários e um ATL para a aprendizagem da língua inglesa.
Houve alturas em que as pessoas pensavam só no seu banco, havia bunkers, mas nós trouxemos uma nova filosofia
Estas vantagens e benefícios são extensivos às províncias?
Não, porque alguns delegados não corresponderam à dinâmica que se esperava, com excepção de mais duas províncias que conseguiram criar pacotes com descontos em hotéis e restaurantes, nas cidades de Luena e Saurimo.
Que outros benefícios estão em carteira?
Chegámos à conclusão que os bancos têm uma estrutura de custos com assistência médica muito elevada. A apólice de saúde que os bancos pagam para os colaboradores, além de ser elevada, não é regular. No início do ‘namoro’, oferecem tudo, mas com o tempo vão reduzindo a cobertura. Hoje, a idade média na banca é 35 anos, embora o grosso seja maioritariamente jovem. Daqui a 15 anos têm 45 e começam a surgir problemas, e há a a pressão que o funcionário bancário sofre para cumprir metas. Então decidimos fazer alguma coisa para ajudar. Em 2012 fizemos um levantamento em cinco bancos, dos quais dois gastaram, num semestre, acima de 80 milhões USD em saúde dentro e fora do País, com facturas altas de internamentos no exterior. Chegámos a conclusão que era preciso inverter este quadro.
De que maneira?
Lutando para a implementação de um sistema complementar de saúde. O sindicato lançou-se numa ‘aventura’, pedindo assessoria aos colegas de Portugal, e trouxemos ao País um dos consultores que participou na implementação deste serviço lá. Comprámos o
terreno, na Via Expresso, e avançamos com o projecto arquitectónico, que foi concebido e pago, e as obras de construção civil, incluindo equipamentos complementares, estão avaliadas em mais de 25,5 milhões EUR, sem os apetrechos e mobiliário. Hoje, estamos à espera, ansiosamente, do direito de superfície para dar o passo seguinte. Mas esta demora está a desanimar os nossos associados.
Quanto tempo deverão durar as obras?
Se tivéssemos obtido o documento há três anos, hoje teríamos a clínica a funcionar.
Quem vai financiar a obra?
Em princípio, as administrações dos bancos com os quais a direcção do sindicato reuniu mostraram interesse, e já altura se pensou na criação de um sindicato de bancos. Estavam receptivos, porque se trata de um custo partilhado. E a percentagem que couber nesta via será coberta pelo financiamento. Queremos que esta clínica tenha um serviço com factor de diferenciação do que já existe.
Ainda há assimetrias na banca em termos de regalias e remunerações?
A banca, de maneira geral, não é dos sectores que paga pior, mas sim, temos o problema da assimetria entre bancos. Há dias fizemos chegar uma proposta ao banco central para a elaboração de um qualificador de funções para o sector, para acabar com essas assimetrias e com as discriminações positivas e negativas. O gerente no BCI não deve ser visto como o gerente no BIC, Sol, BDA ou outro banco qualquer, mas deve merecer o mesmo tratamento. Claro que se coloca a questão da capacidade financeira do banco de oferecer melhores condições.
Essa diferença também existe entre os bancos grandes?
Sim, e são todos privados. Hoje começa a haver uma migração de quadros da banca privada para a pública por questões que tem mais a ver com questões remuneratórias do que com regalias. A forma de tratamento também conta e muitas vezes não é adequada. Há trabalhadores que só se mantêm nesses locais de trabalho por falta de opções, por uma questão de sobrevivência. Por isso, o sindicato apela a que se denunciem situações desastrosas de atentado a dignidade. Reitero que o colaborador não é um escravo, deve cumprir o seu papel e desempenhar o seu papel com brio e merecer respeito da entidade patronal. Há aquilo que o sindicato condena e que considera metas abusivas, que muitas vezes os nossos colegas passam noites em claro. Lucro sim, mas respeitando a saúde do colaborador, porque o homem não é um robot. O colaborador deve cumprir metas, mas dentro dos parâmetros internacionais.
Como é que o SNEBA está a acompanhar a situação dos trabalhadores dos bancos extintos – BANC e Postal -, há seis meses sem salário?
O sindicato tem acompanhado este problema, embora parte significativa destes trabalha- dores não estivesse sindicalizada. Mantemos contactos pontuais com o Banco Nacional de angola (BNA). O que podemos dizer é que o processo ainda está ao cuidado dos tribunais, o BNA está impedido de pagar salários. Portanto, nem o banco central, nem o sindicato poderão mover uma palha sobre o assunto, uma vez que a decisão depende dos Tribunais. Faze- mos fé que acelerem, pois são muitas almas que precisam de sobreviver.
Não haverá um mecanismo jurídico que acuda às dificuldades básicas destas pessoas?
Acho que não, mas se fossem sindicalizados haveria talvez a possibilidade de um processo de conciliação, com a intervenção do sindicato.
O sindicato mantém a sua posição contra a privatização do BCI?
Opomo-nos à decisão de privatização dos bancos públicos, porque acreditamos que não seja tão líquido que o Estado seja mau gestor. No caso concreto do BCI, analisando a estrutura accionista vemos que parte das entidades accionistas será privatizadas e alienadas, excluindo o Ministério das Finanças. Queremos saber em que percentagem e as razões. A informação que temos é que o principal accionista pouco tem feito para manter o banco vivo e forte. Por isso, compreendo que os devedores daquele banco sejam donos de dívida pública e, quando isto acontece, o sócio maioritário não diz nada. Se tiver que libertar esses recursos para pagar dívida, esquece que essas empresas têm compromissos com o seu banco. Essa é uma preocupação para o SNEBA, mas a nossa direcção ainda não foi notificada. Alias, vai escrever para a administração do banco para ser informada sobre os passos que estão a ser dados, embora seja um processo que vai durar dois anos.
Acredita que o Estado teria a capacidade de continuar a manter o custo da gestão de vários bancos públicos?
Também não é tão líquida a doutrina que muitos defendem que os bancos públicos não cumprem o seu papel. No Japão e na China, a maior parte dos Bancos é pública e, se olharmos para o ranking mundial, estão no topo em termos de activos e outros elementos de referência. Agora, é preciso que haja rigor na gestão e conferir competências para que o banco possa caminhar sem as conhecidas interferências. E aqueles que vão buscar os recursos devem, forçosamente, devolvê-los. O problema é como o accionista do público vê o seu banco, porque parte significativa de gestores bancários que está a brilhar e ocupa cargos de relevo nos bancos privados vem dos bancos públicos.
Há uma preocupação com a manutenção dos empregos face ao processo de privatizações?
Até que nos provem o contrário para nós é uma preocupação, porque são mais de 1.600 trabalhadores em causa. Se o banco for totalmente privatizado, podem ser impostas condições e ser desmantelar a rede de balcões, reduzindo a metade o número de colabora-
dores. Mas queremos, antes de tudo, sentar-nos com a administração do banco e perceber as orientações que giram em torno deste processo antes de 2021.
Mas é por causa do histórico de má gestão que a privatização faz mais sentido agora…
Enquanto cidadão, vejo que nos bancos privados existe maior rigor, porque o foco é a maximização dos lucros. Mas acontece que o portfólio do público está desenhado assim também. O problema é o ‘saco azul’ que existe no público. As exigências que o banco central emana são as mesmas para todos. Por outro lado, sou de opinião que não devemos fazer de tudo moda. Se eu sou banqueiro, todos querem sê-lo também, mas há exigências, e qualquer dia podemos vir a ter o problema de remunerar os depósitos à ordem, que estão à disposição destes bancos. Se qualquer dia aparecer um instrumento que o exija, vão dizer que o banco central está a agir mal. Pensamos, enquanto sindicato, que as poupanças, até mesmo em contas à ordem, devem ser remuneradas.
Até que ponto o SNEBA mantém uma relação estreita com o BNA com impacto efectivo no sector?
O banco central é o ‘berço’ do SNEBA. Naquilo que é o factor de influência, o sindicato municia o banco central, com primazia, de toda informação relevante. Por exemplo, no que diz respeito ao qualificador de funções, à uniformização do código de ética e deontológico para o sector, para evitar a proliferação de códigos de cada instituição bancária. Estamos preocupados com os empréstimos indexados, em dólares, porque é crime. Trabalhamos para oficializar o dia do trabalhador bancário, portanto, o banco central é nosso parceiro privilegiado.
Filipe Makengo é natural de Maquela do Zombo e tem 42 anos de banca. É o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Empregados Bancários de Angola (SNEBA), a quem ‘empresta’ o seu saber e imprime outra dinâmica desde 2010. Natural do Uíge, licenciou-se em História no Instituto superior de Ciências da Educação, e fez um mestrado em Ciências Políticas e Administração Pública. Além da actividade sindical, dedica grande parte do tempo à leitura.